Em 2005, quando cheguei ao Brasil, a publicidade impressa ainda era muito assente em headlines (títulos). O diretor de arte ia trabalhando na arte e o copywriter (redator) colocava os headphones e era obrigado a produzir centenas de headlines (não estou a brincar, eram centenas mesmo). No meu primeiro briefing, estalei os dedos, inspirei fundo e, motivado a mostrar serviço, desatei a disparar jogos de palavras. Foi como se a divindade dos trocadilhos tivesse baixado em mim. Infelizmente, não me lembro de nenhum, mas lembro-me do sentimento de dever cumprido quando adentrei pela sala dos diretores criativos para mostrar as duas dúzias de páginas. No rosto deles também se denunciava a expectativa. “Deixa-me lá ver do que este patrício é capaz”, deviam pensar. Começaram a ler com um sorriso maternal. Aos poucos, a expressão foi-se contorcendo. Depois, as sobrancelhas e os olhos começaram a arregalar-se. Até que caíram no riso. “Portuga, pelo amorrrrr! Leva esses trocadilhos daqui pra fora, senão vou extraditar você de volta pra terrinha. Faz tudo de novo e só volta aqui quando não tiver um único trocadilho.” Voltei com o rabinho entre as pernas para o meu lugar e a partir daí nunca mais fiz trocadilhos.
Um trauma que me assola sempre que volto a Portugal com tantos trocadilhos rolando soltos pelo país. Admitam ou não, os trocadilhos são uma peculiaridade da comunicação portuguesa. Há exemplos diários e peças que se tornaram lendárias como “Vasto na Gama”, “Filho da Fruta”, “Menta Maçã, corpo são”, “Dó Ré Mi Só 1Euro” e, quem sabe, o pai de todos os trocadalhos: “Kalos, vai marcá-lo”. Mas nestas férias, assim que cheguei ao aeroporto do Porto, fui impactado por um outdoor da Super Bock. O título dizia “WelBock to Porto”. Não entendi. Senti-me um idiota. Abracei os meus pais que não via há meses e fingi atenção ao que falavam com emoção, enquanto ruminava cerebralmente aquele headline. Depois de algumas horas, conclui: Não entendi, mas é genial. Havia estado diante da evolução do trocadilho: o trocadilho nonsense. Tem stopping power e tem long lasting power, porque ninguém gosta de ver o seu intelecto questionado. Aquele David Lynch na forma de outdoor era um desafio.
E assim como eu, milhares de pessoas devem ter ficado a matutar “WelBock… WelBock… será trocadilho com beber? Tipo, passaram por well come, foram para well ‘bebe’ e depois, bebe o quê? Uma Bock!!!” Ou, simplesmente, as pessoas esforçaram-se tanto que, mesmo não chegando a alguma conclusão, ficaram cheias de sede. E assim, além de stopping e long lasting power, o anúncio ainda tem sales conversion power. Booom!
Não sei quem fez este anúncio. Mas dedico-lhe os meus sinceros parabéns. Não estou a brincar. Esse OOH teve mais impacto do que esses do McDonald’s que por aí andam com coisas como “O homem que mordeu o lanche”. Rendeu até este artigo. Earned Media numa publicação de alcance razoável.
Subscrever newsletter
Subscreva a nossa newsletter e tenha as notícias no seu e-mail todos os dias
Aos pobres coitados que leram este artigo na expectativa de aprender algo, dedico os meus profundos pêsames. Estou de férias. Também tenho direito à minha silly season. Enfim, os exemplos que aqui referi são bons jogos de palavras e eficazes no seu contexto. O povo gosta e, como criativos de comunicação, devemos ir ao seu encontro. No entanto, continuo a achar que cada trocadilho conseguido é uma oportunidade perdida. A oportunidade de criar uma mensagem curta, de impacto e inteligente, num contexto que faça as pessoas pensar. E não apenas sorrir.
Executive creative director do AKQA São Paulo