


O perigo dos filhos
É tramado: não existem discussões mais sangrentas entre pais do que as discussões sobre os filhos. Os filhos dividem os casais. Sabem aqueles avisos das repartições públicas sobre os perigos do álcool e do tabaco, as medidas de prevenção do cancro ou sensibilização dos utentes para a violência doméstica? Pois bem, devia existir um cartaz contemplando a problemática dos filhos, uma mensagem dirigida aos noivos em cada cartório, alertando para o perigo. "Atenção: um filho pode ser uma ameaça mais letal ao casamento do que a vizinha loira e com as medidas de modelo da Vogue que vive no 3.º esquerdo do seu prédio. Esteja atento aos sinais e viva feliz para sempre".

O problema dos professores
O maior problema dos professores é que ninguém percebe o problema dos professores. Ninguém entende a manta de retalhos que é a legislação que regula a carreira docente. A mobilidade, a vinculação, os escalões, os modelos de colocação, a contagem do tempo de serviço, enfim, o "regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente". A única coisa que o comum dos mortais percebe é que os professores reivindicam aumentos salariais e queixam-se do excesso de burocracia. É tanta a papelada e são precisas tantas justificações, que devem ser meia dúzia os professores que têm coragem de dar más notas aos alunos. E mesmo esses, não têm tempo.

Fujam daqui
Os meus filhos nasceram e cresceram numa era e num país socialista. Sempre em crise. Em crise de tudo. Lembro-me de projetar o futuro dos mais velhos e pensar num país diferente daquele da tanga, do pântano, dos escândalos, da dívida, da crise de natalidade, do cacique partidário, das bancarrotas, da ditadura das minorias mais histéricas, dos limites de liberdade.

A Igreja de dia 14 é maior que a de dia 13

Sobreviver às manhãs
Duas coisas que me irritam nos filmes americanos e nas telenovelas brasileiras (e que as portuguesas teimam em imitar): as manhãs harmoniosas dos paizinhos a fazerem panquecas ou ovos com bacon enquanto os filhos aparecem arranjados e lambidinhos sem que tenha sido dado um grito; as mesas dos pequenos-almoços brasileiros, onde abundam bolos fumegantes e sumos de todas as cores. Não existem fantasias maiores que aqueles dois cenários - ao pé disto qualquer filme do 007 é um facto histórico. Mas a verdade é que esta fantasia é nociva. Faz-nos mal, a nós, pais reais, que cresceram a fantasiar manhãs daquelas, filhos daqueles e mesas de pequeno-almoço assim. "Quando eu for grande vai ser assim...". Nada.

O triunfo dos filhos
Nunca o mundo esteve tão refém de filhos como hoje. Tenho filhos dos 22 aos 9 anos e acreditem que é latente o crescimento do poder dos filhos. Tipo polvo. Orwell e Huxley pensaram em tudo, imaginaram os cenários mais tenebrosos a respeito do aprisionamento da mente, da liberdade, da ausência de discernimento dos humanos. Mas nunca pensaram que nós perdêssemos a cabeça com os filhos, ao ponto de nos escravizarmos desta forma. Que fossem as crianças, os adolescentes, que nem os sapatos sabem apertar, a mandar nisto tudo.

Os pobres que paguem a educação
Na educação, as desigualdades aumentam: nos concelhos de grande densidade populacional, como Lisboa, Porto e Cascais, cerca de metade da população escolar frequenta o ensino particular. Estes números só podem querer dizer uma de duas coisas: ou somos um país de gente rica ou as escolas públicas não estão a servir as famílias e metade delas pagam duas vezes a educação, uma através dos impostos, outra através das propinas nas escolas privadas. É, obviamente, a segunda razão.

Já se pode dizer mal do PS?
Ora, muito obrigada. Sete anos depois de tanta cerimónia, contenção, controlo e pedidos de perdão antes de nos podermos queixar dos nossos socialistas, e eis que finalmente chegou o dia. Foi preciso bater no fundo mas pelo menos já ninguém é acusado de ser do Chega cada vez que crítica o PS. E isso, meus amigos, é quase liberdade.

A culpa é do mexilhão
Sabem que eles acabam por nos culpar? Quando crescem. Sim, porque há um dia em que eles eventualmente crescem e é nessa altura, quando fazem o balanço da sua curta existência e deitam contas vida, às suas escolhas, aos caminhos que fizeram, que nos culpam das suas misérias. Não é o Costa, nem a guerra ou o socialismo o responsável pela sua miséria, mas nós, os pais deles - aqueles que sempre lhes quiseram bem.

A indignidade humana na eutanásia
Sabem o que é mais chocante? É termos o novo texto da eutanásia aprovado em vésperas de Natal. Como se fosse de propósito. Legislar sobre a morte quando se celebra o Nascimento ou é maldade ou é estupidez (ou as duas). E depois é a mesquinhez do texto - cheio de palavras rasteiras e de conceitos cinzentos -, a cobardia dos deputados e dos partidos e a sonsice do desenrolar do processo. O diz que afinal não se disse, aquele "é só um bocadinho" mas acabamos com uma das leis mais indefinidas e mais definitivas, mais selvagens e mais cruéis do mundo.

Desigualdades à PS
Ao que parece os anos de confinamento não afetaram o ensino: foram inócuos para a aprendizagem dos nossos filhos. Casa ou escola, ensino à distância ou presencial, professores ou pais, tudo isto foi indiferente para a evolução, para a aprendizagem e para o desenvolvimento das nossas crianças. O que lá vai, lá vai e o melhor mesmo é pôr uma pedra sobre o assunto. Ninguém gosta de recordar aqueles tempos sem escola, com as crianças a saltar em cima dos sofás, a sufocar dentro de casa, sem espaço, sem tarefas, sem ânimo, sem amigos, sem estímulos, A definhar com a ajuda dos ecrãs para os pais poderem trabalhar escondidos nos quartos.

Cristiano Ronaldo é um herói

O bebé, a porteira e o cão
Num prédio vive uma família a quem chegou recentemente um bebé. É um prédio grande, com vários apartamentos, no centro de Lisboa. Neste prédio vivem poucas ou nenhuma criança - não há barulho e o movimento é muito pouco, apesar de os apartamentos estarem todos habitados.

Deixem os socialistas trabalhar
O mundo político português e as dezenas pessoas que dão importância ao pequeno mundo político português estão chocados e indignados com os socialistas do governo socialista. Estamos a falar de dois casos. O primeiro é o da nomeação de um jovem recém-licenciado em Direito e militante da Juventude Socialista para adjunto do gabinete de uma ministra socialista de um governo com maioria absoluta do Partido Socialista. O segundo é mesmo um caso à moda antiga. Está lá tudo: um pavilhão, milhares de euros, uma empresa constituída para receber o dinheiro/construir o pavilhão - mas afinal ainda não deu para o construir -,um presidente da câmara socialista que adiantou o dinheiro para as obras, amigo do primeiro-ministro socialista, e a nomeação do presidente a secretário de Estado Ajunto do primeiro-ministro.

Nós e as crises
Nós, portugueses, somos ases em sobreviver a crises. Fado, Futebol, Fátima e Crise - são os três F e o C português que nos acompanham há séculos. Portugal vive em crise desde, pelo menos, 1820. São gerações e gerações de crianças, famílias, que vivem na expectativa do "agora é que vai ser" - e nunca é. Já é altura de assumir que Portugal é uma crise e ver o lado bom da situação.

Votei em Marcelo e não me arrependo
Sou assim, sou daqueles eleitores previsíveis que votam sempre na sua "família política". Um tédio. Detesto rotinas mas adiro às rotinas políticas sem pestanejar. Abro exceções quando percebo que do lado de lá, dos candidatos, existe alguma anomalia técnica, ou seja, quando deteto alguma anomalia de tal forma grave que tornaria o meu voto irresponsável. Aconteceu uma vez e ainda assim a minha mão tremeu quando abandonei a minha família política - como as mãos de uma criança quando rouba cigarros da carteira da mãe. Mas não, isto não aconteceu em nenhuma das eleições de Marcelo. Com Marcelo a minha mão tremeu, é certo, tremeu porque sabia que alguma coisa estava errada, mas ainda assim não se justificava um virar de costas, um abandono. Foi por medo que tremi.

Voto na minha avó
A minha avó é que sabia, na medida em que era sábia a todos os níveis. A minha e a de todos vós - que têm a mania que são espertos até serem avôs e avós e deixarem de ver bem ao perto. Os avós são as pessoas mais sensatas, serenas e inteligentes que habitam a terra. Dizia a minha avó que a gelatina faz crescer as unhas e o cabelo, que o sol faz mal à pele, que não se deve lavar o cabelo todos os dias, que cada coisa tem a sua época (como a fruta) e há idades para tudo. Nunca levantava o tom de voz porque nunca precisou.

Pagar por estudos
Estava eu a dar os primeiros passinhos no jornalismo, numa época em que ter filhos era ainda uma miragem e os fins do dia eram a melhor parte do dia - há mil anos, portanto - e já tinha escrito uma ou outra notícia pouco importante sobre o TGV ou o velho-novo aeroporto. Coisas simples: um caso de corrupçãozinha, um estudo de impacto ambiental, umas notícias sobre o destino das aves, uma divergência entre os gabinete de estudos, os técnicos da comissão nomeada pelo gabinete do ministro da tutela e as diretivas europeias do mês anterior. Eu sei lá, nem me lembro... e acho que ninguém lia aquilo, apenas os próprios. De vez em quando lá apareciam as notícias dignas de machete: agora é que é. E nunca foi.
